Blog Archive

sexta-feira, 19 de julho de 2013

BIOGRAFIA ALIU BARI

Aliu Barri é músico, intelectual e político da Guiné-Bissau, na África Ocidental. Nasceu em 1947. Mora alterno na capital de Bissau e na sua plantação perto da vila de Buba, no sul do país. É casado, com filhos.
“Desde os anos sessenta toca música e canta. Ganhou celebridade com o conjunto “Cobiana Jazz” em que fazia parte também José Carlos Schwarz. Através deste conjunto também dedicava-se até 1974 clandestinamente a luta pela independência do colonialismo português, liderado pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Mais tarde, estudava música em Cuba (1976 – 1978). De 1978 até 1980 era Director das Artes e Cenas. Formou vários músicos guineenses. A partir dos anos oitenta retirou da vida pública para trabalhar como agricultor. Em 1998/99 – durante o conflito militar na Guiné-Bissau – a gravação dum CD marcou a sua volta como músico. Hoje, de vez em quando toca com colaboradores em Bissau. Dedicava-se nos anos noventa na Liga Guineense de Direitos Humanos (LGDH). Até hoje é também activista na área de política partidária.”
“Então, aproveitei com a sua estadia aqui em Bissau, conhecer afinação de viola e algumas músicas tocadas, conforme as tradições de “djidius” daí. Comecei a aprender, mas aquela forma não dava para fazer acordes e não tinha nada a ver com a forma de tocar clássica e nem conhecia nome das cordas, até que conheci um cabo-verdiano de nome Juca que agora, que até agora está aqui que me ensinou a tocar. Daí comecei a conhecer as notas “dó ré mi fá si lá si”, isso foi no ano de 1968. Estive com ele muito tempo. Aprendi algumas coisas. Mais tarde conheci um colega meu e filho de pais cabo-verdianos, que se chama Armindo Fonseca. Com este comecei a tocar músicas angolanas, músicas de Roberto Carlos, músicas de Cabo Verde. Eu tocava aquelas músicas somente para poder estar com eles, para poder aprender forma de tocar, mas não tinha nenhum gosto em tocar aquelas músicas porque o meu orgulho era tocar a música da Guiné-Bissau, que nunca tínhamos ouvido a tocar. Mas acontece quando aprendi a tocar.”
“Então, aproveitei com a sua estadia aqui em Bissau, conhecer afinação de viola e algumas músicas tocadas, conforme as tradições de “djidius” daí. Comecei a aprender, mas aquela forma não dava para fazer acordes e não tinha nada a ver com a forma de tocar clássica e nem conhecia nome das cordas, até que conheci um cabo-verdiano de nome Juca que agora, que até agora está aqui que me ensinou a tocar. Daí comecei a conhecer as notas “dó ré mi fá si lá si”, isso foi no ano de 1968. Estive com ele muito tempo. Aprendi algumas coisas. Mais tarde conheci um colega meu e filho de pais cabo-verdianos, que se chama Armindo Fonseca. Com este comecei a tocar músicas angolanas, músicas de Roberto Carlos, músicas de Cabo Verde. Eu tocava aquelas músicas somente para poder estar com eles, para poder aprender forma de tocar, mas não tinha nenhum gosto em tocar aquelas músicas porque o meu orgulho era tocar a música da Guiné-Bissau, que nunca tínhamos ouvido a tocar. Mas acontece quando aprendi a tocar.”
“Naquele tempo se chamava “pule”. Com vinda desses instrumentos, conhecemos muitas músicas tocadas com estes instrumentos. Essas músicas chamavam-se “high life”. “High life” é uma música que rodou em África Ocidental, muitos anos, muitos anos. Dessas músicas, eu conheço algumas que durante os primeiros tempos aproveitei a melodia para compor as minhas musicas. Apesar de estarmos próximos com a República da Guiné [Guiné-Conakri], do Senegal, da Gâmbia e do Congo, as nossas musicas não tiveram influências desses. Tocamos com influência dos cabo-verdianos, porque anteriormente, o primeiro capital da Guiné Portuguesa era Cacheu [até o século XIX, Cacheu, no noroeste da Guiné-Bissau, era a sede dum governador, subjacente do governador geral de Cabo Verde e Guiné; só em 1879, a Guiné Portuguesa tornou-se uma colónia portuguesa autónoma de Cabo Verde].”
“Naquela altura havia um governador que fixava em Cabo Verde e tinha um delegado na Guiné Por questão talvez, porque questão de distância ou outras coisas não tinha fixado na Guiné um governador até que chegou o momento da governação de Honório Pereira Barreto [*1813 - † 1858]. Mas como havia ligação entre Cabo Verde e Guiné, vinham jovens cabo-verdianos com as suas guitarras para Guiné. Tocavam, faziam “mornas”, “coladeiras” [músicas ditas tradicionais de Cabo Verde] e disso, os “djidius” da Guiné começaram a aprender com os cabo-verdianos. Daí surgiram várias canções. Mas não contávamos essas canções como músicas da Guiné porque os que tocavam não são originários da Guiné. São senegaleses e povos de Ziguinchor [até 1886, a cidade Ziguinchor, situado na região senegalesa da Casamança, fazia parte da Guiné Portuguesa]. Então ouvíamos eles a cantarem em crioulo. Mas para nós era um crioulo um pouco mal falado porque nós na Guiné, a Bissau – Bissau que era o centro do crioulo -, quando ouvíamos falar os Casamansas crioulo, sentíamos estranhos. Não contávamos como uma língua que toca no crioulo. Quando comecei a tocar, tinha que encostar nessas músicas e então daí cantei uma música que dizia “Badjuda de saia curto”, mas essa, essa música foi quer dizer a letra não é igual, mas essa melodia foi cantada por Oussumane N’baye [um “djidiu”]. Oussumane N’baye é senegalês mas vivia na Casamança.”
“Falava crioulo, aprendeu tocar todas as suas músicas em crioulo. Daí como eu queria cantar crioulo, gostava muito das suas canções. Tentava interpretá-las. Mas ao interpretar essa música, criei a minha, as minhas letras e cantei uma das melodias suas que é “Badjuda di saia curtu”. Daí é que comecei a tocar, toquei muitas músicas. Essa música de “badjuda di saia curtu“ como se chama mesmo está constado no disco, é uma “morna”. “Morna” é uma forma de caracterizar um certo tipo de músicas de Cabo Verde. Há “mornas”, tem também “coladeiras”. Foi daí que comecei a tocar e cantar alguma coisa e eu aprendi a tocar desta maneira. Nunca aceitei assimilar as canções apesar de nessa altura já cantava músicas da República da Guiné [Guiné-Conakri]. Quando eu quisesse sozinho, cantava as músicas da República da Guiné. Mas ao tocar, não emitia nada da República da Guiné. Tentava cantar uma coisa diferente como a que da República da Guiné. Nunca tentei emitar as minhas canções com as músicas de Angola ou músicas de Roberto Carlos [de Angola], porque conhecia muitas músicas da Guiné. Mesmo em actividade, teria que levar muitos anos para interpretar todas as músicas da Guiné. São muitas músicas em crioulo, em fula, em mandinga, em balanta, em beafada. Ha muitas músicas que eu conheço e sei interpretar. Então, não dava para estar ainda a buscar outras músicas estrangeiras. São músicas que eu cantava mesmo com gosto, pouco mais ou menos. Assim que eu conheci a música, as, a minha influência foi – quer dizer – as minhas músicas foram radicais, não têm influência de Senegal, nem da Gambia, nem da República da Guiné. Foi música mesmo da Guiné que nunca foi cantada assim e também depois da morte de José Carlos.”
“Eu e José Carlos Schwarz, como já tinha dito, nós conhecemo-nos em 1968 por questões políticas e porque também eu não tinha parceiro para tocar [no início dos anos setenta]. Todos os que tocavam na Guiné queriam que tocássemos músicas angolanas, cabo-verdianas ou músicas de Roberto Carlos. Eu não queria. Por isso, não tinha quem tocasse. Eu tocava sozinho. O meu encontro com ele… começamos a tocar juntos. Ele manifestou que gostava também de cantar crioulo. Mas ele não tinha nenhum conhecimento em cantar crioulo. Tive que tirar-lhe todos os discos que ele tinha e dei-lhe os meus discos porque ele tinha músicas de James Brown, músicas de Aretha Franklin, músicas de negros americanos.”
“Eu disse-lhe: “Olha, enquanto estás a ouvir essas músicas, nunca poderás interpretar outras obras. Tens que parar de ouvir essas músicas!” Eu dei-lhe as minhas músicas. Eu tinha músicas de Kante Manfila [da Guiné-Conakri], tinha músicas de Bembeia Jazz [da Guiné-Conakri], tinha músicas de Miriam Makeba [da África do Sul], tinha músicas de Franklin Bukaka e Rochero [ambos do Congo]. E essas músicas congolesas, nigerianas, essas músicas tinha muitas músicas, dei-lhe cerca de cinquenta discos, para ele ouvir. Assim começamos a tocar juntos, as suas músicas ou as suas letras. Ele fazia letra e entregava-me, eu compunha a letra, metia voz. Tocava e diz-lhe: “Olha, tu vais cantar, vais cantar assim desta maneira.” Assim trabalhamos.”
“Eu sempre fui compositor até na altura da nossa prisão. Mas ele era um indivíduo que gosta de lutar. Ele não sabia fazer músicas, quer dizer em crioulo, mas estava a lutar. Tenta, quando foi para a prisão, foi mandado para o campo de concentração [na Ilha das Galinhas, Guiné Portuguesa]. Daí começou a fazer a sua música: escrever e tocar. Antes de ir para lá, eu orquestrei as suas músicas. A primeira música que ele fez, fez a música que dedicou a sua mãe: Nna. Depois, nós os dois fizemos uma música que é Lua ka ta kema / Outrora / n’ta misti pega / trás di sol / ma n’ka ta bai / pabia trás de sol / n’ka kunsidu.”
“Ele fez mais uma música que é Pena di galinha / Abó na rua suma pena / suma pena de galinha na bento. Sucessivamente, ele fazia as suas letras, eu fazia a minha e tocávamos juntos. Depois da nossa soltura da prisão, continuamos a tocar juntos. Mas sabes com a independência cada um de nos tinha a sua ambição: Nós tocamos até certa altura. Começou a faltar os ensaios. Então chamei-lhe atenção: “Olha, tu está a faltar os ensaios mas isso não ajuda! Porque, sabes, agora temos muitos conjuntos, apesar de sermos conjunto nacional. Mas se não ensaiarmos, podemos ficar para trás.” Disse-lhe então: “Tens que escolher: vires ao ensaio ou optar para uma outra coisa!” Porque naquela altura ele ia sempre ao Ministério de Negócios Estrangeiros. Queria ir trabalhar nas embaixadas. Então ele disse-me que lhe desse um mês de tempo que ele pensasse. Depois ele voltou e disse-me: “Eu prefiro continuar nos negócios estrangeiros.” Porque ele cantava e solava, eu cantava e tocava o ritmo, tive que arranjar mais um elemento para fazer solo.”
“Nessa altura já, ele já não estava no “Cobiana Jazz”. Antes de irmos para Cuba, ele já não tocava no “Cobiana”. Ele estava independente. Algumas vezes tocávamos juntos. Mas ele tinha o seu projecto, até que altura que ele foi nomeado como secretário de embaixada em Cuba. Primeiro foi nomeado como secretário de embaixada ao tomar conhecimento que “Cobiana” ia fazer um estágio de três anos, uma formação. Rápido, de três anos na música, ele também pediu que fosse como secretário de embaixada em Cuba em simultâneo estudava música connosco. Então foi-lhe concedido esta facilidade. Fomos juntamente para Cuba. Foi onde nós logo ao chegarmos começamos as aulas. Ele não podia começar as aulas junto connosco porque não tinha ido o embaixador. Ele estava lá, entregou credenciais, estava a representar a Guiné-Bissau como um diplomata, estava a esperar que concluísse o ano lectivo.”
“O próximo ano, ele matriculava na nossa escola. Foi daí que aconteceu este azar: teve azar com o avião, saiu de Portugal para Havana. O avião caiu e queimou-se. Mas antes disso, ele já não tocava no “Cobiana”. Éramos dez pessoas além do José Carlos. Por isso que no disco, dizia assim: “José Carlos e “Cobiana Jazz”. Este disco foi feito em 1975, em 1976. O disco não estava ainda pronto. Eu fui para Cuba. Quando foi necessário e dar nome de autores de cada música, eu não estava cá. Os indivíduos que estavam cá não conheciam, pegaram todo, quase todas as minhas obras e puseram o nome de José Carlos. Até hoje só ouvindo me tocar que a gente sabe que essa música afinal é de Aliu Barri, não de José Carlos. É fácil distinguir: as músicas cantadas com voz aguda são as minhas. O seu timbre é grave. Nas músicas minhas, eu fazia tudo: cantava, fazia o ritmo. Para a minha música, até fazia solo, para quem quisesse solar nas minhas músicas. Eu faço tudo, digo-lhe: “Olha, tens que fazer assim essa música é assim.” Faço o baixo, ritmo solo e canto. Naquela gravação houve 24 músicas ele cantou 12, eu cantei 12 assim. Mas a maioria das músicas é no nome do José Carlos.”
“Depois da sua morte, “Cobiana” continuou pouco tempo. Eu desgostei-me. Pedi a minha saída no estado. Disse que não queria mais tocar no estado. Isso foi depois do 14 de Novembro de 1980. Porque antes do 14 de Novembro de 1980 [dia no que o governo de Luís Cabral foi derrube pelo golpe de João Bernardo “Nino” Vieira, Presidente da República de 1980 até 1999 e desde 2005] nós tínhamos esperança que a Guiné-Bissau estava num caminho certo. Pode atrasar mas tínhamos confiança de que um dia, um dia a Guiné-Bissau poderia chegar um ponto muito longe. Mas depois de 14 de Novembro de 1980 a esperança caiu-se e eu pedi. Fiz uma carta e pedi a exoneração, a saída de “Cobiana” no estado. Não queriam aceitar mas insisti e deram-nos seis meses para descansar-mos de fazer nada até seis meses. Talvez é um estresse ou outra coisa. Depois, perguntaram-me. Eu disse “não”. Mas não é que tinha uma outra alternativa. Porque eu, desde infância, desde aos 16 anos, tinha essa grande gana de viver em liberdade de trabalhar, de fazer o povo de Guiné ter um sucesso, ter progresso que haja justiça.”
“Eu acreditei nisso e creio nisso. Eu sei que sem isso um país não pode ir para frente. Eu sou muito amigo deste presidente [“Nino” Vieira]. Ele gosta muito de mim mas eu não posso estar junto com ele porque a forma como ele está a levar o país não gosto. Eu tenho a certeza de que ninguém me poderá fazer nada de bem que me iluda. Não há nada única ilusão que eu tenho na minha vida é ver a Guiné andar bem. Se esta terra estiver bem, eu não preciso de favor de ninguém porque eu sei trabalhar. Eu trabalho, desde que nasci trabalhei. Aos 14 anos comecei a tomar conta da minha família. Desde este tempo até hoje trabalhei sempre. Gosto de trabalhar. Para isso não há nada que alguém me possa oferecer para sentir satisfeito para esquecer deste país. Isso é uma grande dificuldade para mim, de ter uma boa relação ou de ter algum privilégio do governo.”
“Em 1980 já tinha começado a minha propriedade [uma “ponta” ou plantação perto da vila de Buba, no sul da Guiné-Bissau]. Pedi a demissão no estado. Fui a minha propriedade. Não tinha nada onde estou agora – até que o presidente [“Nino” Vieira em 1986] me chamou e me disse. “Olha, quando quiseres trabalhar na música é só dizer! Eu dou todos os materiais necessário!” Uma vez eu falei-lhes que queria trabalhar [em 1986]. Deu-me instrumentos completos. Preparei mais de oito artistas que neste momento estão em Portugal: Roger Morreira, Estevão Djipson, Janota, Faustino (percussionista), um que se chama Agostinho Capachita. Está em Franca também Osvaldo Nelson. Estes foram que eu preparei.”
“Depois preparei mais tarde o Américo, preparei o Mário Babrem, preparei o Malam Bá Cissé, preparei o Zemas Buca Sanhá que está a cantar agora. Está mesmo aqui em Bissau. Preparei o Gentil Policarpo. Mesmo os melhores músicos que tocam no conjunto Mama Djombo, fui eu quem os preparei: o Miguelinho, o Tundu. Foram os meus alunos. Eu é que os peguei e pus-lhes dedo na guitarra. Isso é assim. Enquanto eu tocava no Cobiana, eu tinha sentado aqui na minha casa e disse-lhes: “Olha, vocês têm que fazer este exercício!” Ia dando voltas. Voltava para saber o que é que eles faziam. Tocaram comigo no Cobiana. Só depois disso que eles passaram para o Mama Djombo. Foi assim. Cobianatocou e foi melhor conjunto tanto aqui na Guiné como em Cabo Verde. Porque no tempo em que nós começamos a tocar, o “Voz de Cabo Verde” estava em foco.”
“Voz de Cabo Verde” com Luís Morais e Bana
“Tocamos aqui em Bissau. Talvez por nós termos muita influência porque nós desde que começamos a tocar, ganhamos fama grande. Qualquer artista que vinha tocar aqui em Bissau para mobilizar o público, nós temos que ir. Porque caso contrário, ele não consegue e em Cabo Verde mesma coisa: tocamos melhor que qualquer um desses conjuntos. Portanto, o “Voz de Cabo Verde”, “Tubarões” e “Buli Mundo”, com esses, nós tocamos tanto aqui como em Cabo Verde. Mas eles reconheciam a nossa superioridade porque depois de sairmos de Cuba tocávamos muito bem. Éramos dez e eu era chefe de orquestra ritmista. Tínhamos dois, três sopradores: Armando, Carlitos e Francisco Sanhá são sopradores, tenho Rui Perdigão na viola baixo, Narciso Rosa Mendes na viola solo, Francisco Frederico da Silva – chamamos “Pantcho” – , (cantante), “Tunu” (cantante). Fazíamos sucesso em qualquer outra parte. Só que depois do 14 de Novembro 1980 senti que não valia a pena estar a perder tempo. Porque quando eu vim de Cuba, o governo nomeou-me como Director das Artes e Cenas [1978 - 1980]. Mas apesar disso não sentia bem com isso. Sai, fui trabalhar na minha propriedade, estando mesmo na minha propriedade.”
“Naquela altura [em 1986] que eu preparei esta gente, eu convoquei Roger Moreira e “Janota”. Levei-os lá em Buba ao pé da minha propriedade. Pedi uma instalação com luz. Pus lá uns materiais. Ensaie-os três meses. Quando vieram aqui, foram os melhores, foram os melhores até que tiveram oportunidade de ir fazer músicas em Portugal. Agora estão lá.”
“Com o José Carlos nós tocamos até 1975. Quer dizer, no festival que fizemos na concorrência [em 1976] que se fez com todos os conjuntos, José Carlos já não tocava. Foi nesse concurso que nós ganhamos primeiro lugar e fomos concedidas essa bolsa, bolsas para Cuba. Fizemos lá quase três anos a estudar música em privilégio de concurso. Porque disseram quem ganhasse o concurso tinha direito a uma bolsa para estudar a música. Nós ganhamos. Beneficiamos da bolsa e fomos estudar na Cuba três anos de música. Mas nesta altura, o José Carlos não estava na “Cobiana” mas a maratona do“Cobiana”. Foi na altura em que eu e José Carlos tocávamos juntos antes da nossa prisão e um ano depois da independência em 1975, não creio, que seis meses depois da independência. Seis meses depois fizemos grandes sucessos mas dividimos. Ele ficou a trabalhar sozinho e eu continuei com orquestra assim.”
“Nos anos 1976, 1977 e 1978 estávamos em Cuba. No fim de 1978 voltamos a Bissau. Em 1979 nós tocávamos só “Cobiana”, sem Zé Carlos. “Cobiana” tocava a parte em 1980. Saímos do estado. Em 1980, deixei de tocar. Deixei completamente de tocar. O governo pediu-me que voltasse a trabalhar no “Cobiana”. Eu disse “Não, não quero mais”. Passei cinco anos sem tocar. Estava na minha propriedade. No ano sexto ele [o presidente “Nino” Vieira] deu-me um jogo de instrumentos, para eu tocar. Mas eu preparei jovens para tocar. Não toquei, não aceitei. Depois estes artistas foram para Portugal conjunto. Acabou-se. Depois preparei um outro grupo que é o Américo, Mário Babrem e mais outros. Como estou a preparar essa gente assim, esses também conseguiram ir para Portugal. No fim dos anos oitenta, não actuei mais como um artista já profissional. Não. Se tiver tempo, faço algumas coisinhas mas duma forma privada. Não, porque desgostei-me. A minha ambição era tocar cantar – mas numa Guiné-Bissau com boas perspectivas!”
“Depois do golpe de estado de 1980, eu diria que o presidente tinha toda esta vontade de recuperar a parte cultural. Só que eu pensei: “Não, eu não.” Não tinha alguém de confiança, alguém que podia tomar iniciativa de fazer uma boa coisa na área de cultura. Depois do 14 de Novembro 1980 os artistas, todos os artistas que estavam a nível arranjaram passaportes e saíram para Europa. Porque sentiram que na Guiné não tinham chance de fazer nada. Há muitos artistas que eram naquele tempo. Mas agora, são pessoas assim vulgares, já não cantam. A “Nova Geração” nos anos oitenta, a “Nova Geração” que começou com Justino Delgado, Manecas Costa, “Africa Livre”. Esses vieram depois, já quando“Cobiana” já tinha deixado de tocar. Mas tocaram juntos com aqueles. Nós dizemos “Mini Cobiana”.“Mini Cobiana” é “Cobiana” formado por Roger Morreira e “Janota”. Essas tocaram junto com o Manecas Costa. O Juvenal Cabral de “Tabanca Jazz” também foi elemento de “Cobiana Jazz”. As dificuldades eram muitas porque nunca mais houve aquele estímulo: artistas no sentido de eles serem promovidos. Houve algumas porque depois de 1980 o Zé Manel. Beneficiou de bolsa de gravação, foi gravar a Portugal e voltou depois. Beneficiou mais bolsas para ir estudar músicas em Portugal. Essa foi facilidade que houve a partir de 1980.”
“Antes da independência em 1974 julguei sempre com o nível de avanço que tinha a Guiné-Bissau nessa altura. Se tivéssemos independência, dentro de dez ou quinze anos a Guiné-Bissau seria uma outra coisa. Esse sonho ficou fincado na minha memória até os anos de 1980. A partir de 1990 notei que esse sonho fracassou. Logo pensei em alternativas. Tinha pensado em duas coisas. Qualquer dos dois que eu tivesse enfrentado e seria bom para mim. Porque em princípio pensei ir radicar em Portugal, continuar fazer música. Mas como tenho família filhos, minha mãe, pensei que seria melhor eu estar aqui na Guiné. Então daí é que pensei abrir aquela ponta [uma plantação] onde fiquei até agora. Com certeza se eu tivesse ido a Portugal, trabalhar na música, poderia fazer melhor do que tenho feito até este momento. Porque a música é meu dom. Eu sei fazer música, mas eu não sei fazer música forçada. Sim eu canto com emoção. Quem canta com emoção, quando não tenho gosto de cantar, não pode mesmo querendo cantar a voz. Não sai, não, não quer dizer a minha acção em cantar não depende de mim. Depende do momento. Se tiver emoção, canto bem. Mas quando não há motivos, mesmo querendo cantar, não sinto aquela vontade por isso. Agora não canto desde 1980. Deixei de cantar até aqui, gravei este único CD [intitulado: “Tributo ao Cobiana Djazz Nacional” , Editora “Sons d'África”, Lisboa 1998].”
“Fui fazer tratamento [medicinal] em Dezembro de 1997 [em Lisboa] e tinha que voltar no fim de Junho de 1998 [a Bissau]. A guerra deu-se em 7 de Junho [a guerra civil bissau-guineense, chamada “conflito militar”, começou em 7 de Junho de 1998 e terminou em 11 de Maio de 1999]. Já não podia voltar. Então os meus custos, quer dizer que não tinha já para gastar, tinha que fazer alguma coisa. Fiz a música porque a coisa que eu podia fazer era isso. Tive um financiamento e gravei. Se não fosse esta situação, talvez até hoje não faria nada. Eu quero gravar porque a minha vontade é gravar. Toda a minha música. Para não ficar a perder – mesmo que eu não faço sucesso com essa música. A geração vindoura poderá cantá-la.”
“Mas como não tenho meios isto preocupa-me muito. Eu tenho muita vontade de gravar, tenho mais de 80 músicas. A minha música é história, fala da situação política, fala do que se devia fazer, fala das coisas más, também das coisas boas, fala da nossa cultura. Neste momento achei que não vale a pena estar a fazer música sem esperança de um dia poder gravá-la. Por isso, quando fui a Portugal, comprei um estúdio. Tenho aqui [na minha casa] um estúdio. Mas para gravar preciso de dinheiro. Não é um estúdio de qualidade mas é um estúdio de oito pistas. Posso gravar por pistas. Mas para eu gravar é preciso dar os artistas, pagar artistas para me acompanharem. Eu sei tocar o meu ritmo e cantar, mas as partes de orquestração, eu precisarei de colaboração de outros pessoas para fazer uma gravação a meu gosto. Sim, apesar de muito tempo que eu não tenha gravado, a qualquer altura, eu canto as minhas músicas de cor. Não é preciso estar a ensaiar, eu ensaio – mas as pessoas que vão cantar comigo. Eu a qualquer altura, canto as minhas canções sem dificuldades, qualquer delas.”
“Pergunta se eu tenho contactos com alguns dos meus companheiros…É triste até é inacreditável: todas as pessoas com que eu fiz música profissionalmente, todos morreram, todos morreram: José Carlos morreu, Mamadu Bá morreu, Rui Silva morreu, Rui Perdigão, “Pantcho”, “Tunu”, Narciso e todos morreram. Fiquei eu sozinho, parece inacreditável, mas foi assim. Fiquei sozinho. É por isso quando eu digo as coisas. Falar de música, é bom quando uma pessoa está a falar de uma coisa, que haja uma testemunha, que diga é assim ou não. Mas infelizmente, não existe, morreram todos. Fiquei sozinho. Não sei porquê. Porque Deus quis que seja assim. Mas eu digo-lhe uma coisa: durante o tempo que eu trabalhei com o conjunto “Cobiana” eu fui sempre a vítima de “Cobiana”. Apesar de fazer tanto sucesso neste tempo, eu nunca me senti bem na “Cobiana”. Não me sentia bem porque das coisas que eu via e não gostava mas tinha que aceitá-las, porque todo o mundo aceitou. Tinha que aceita-las até um dia que eu deixei “Cobiana”. Seria difícil um indivíduo jovem com tanto sucesso, fama que com o “Cobiana”“.
“Tinha de deixar a música e pegar a enxada e ir para o mato. Não era uma simples aventura, não. É que não me sentia bem aí, quando fui lá senti bem, senti que estava livre de tanta chatice. Havia muita concorrência. Eu não gosto disso, eu gosto muito de vida, quer dizer levar vida e sem este tipo de problema: o problema comum que todo o mundo está a lutar para o progresso. Mas a estar a ter problemas mesquinhos, entre eu e um companheiro da trincheiras não gosto. Por isso, quando fui para a minha propriedade, eu levava as vezes, dois, três meses, sem vir à Bissau. Por isso, quando eu saio da rua, muitas pessoas perguntaram: “Então, onde estás agora, estás em Portugal…?” “Não, estou na minha propriedade, estou lá, sinto bem lá.” Ficava ali, já que perdi aquela esperança de ver uma Guiné assim.”
“O resto da minha vida é trabalhar para a minha família. Eu cantei esta canção [“Pé de Bissilão”]. Disse que nós sonhávamos com tanta ambição para o progresso deste país mas os sonhos, todos foram para o mar, restam nos tomar, um copo de água para gelar, o peito tanto sofrimento. Mas a luta não acabou! Eu ficarei de pé como um tronco de Bissilão. Sabes o que é Bissilão? Bissilão é dos troncos que se faz madeira, troncos de Bissilão vão para Europa. São madeiras mais resistentes. Esses troncos, quando estão de pé, nem máquina consegue com facilidade derrubá-los. Eu disse: eu porei os meus pés no chão como paus de Bissilão porque assim a luta exige. Cantei esta música: “Suma pé de Bissilão / assim ku na firma / assim ku no na firma / pabia assim ki luta / porque assim é a luta / estar de pé firme / como pé de Bissilão” [“Pé de Bissilão, 1980]. Porque assim é que a luta exige.”
“Cobiana Jazz” surgiu num momento em que era necessário fazer alguma coisa na área da cultura. Mas paralelamente, na área política, nós é que divulgamos, que as pessoas que estavam no mato, que os colonialistas diziam que são terroristas [desde 1963 o “Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde, PAIGC, lutava pela independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde; a “guerra de libertação” só terminou em 1974, ano em que o pais ganhou a sua independência], não eram terroristas. São nossos irmãos.”
“Foi nessa altura que cantamos “Mindjeres di pano preto / ka bo tchora pena / si contra bo pudi / ora ke un son di nos fidi / bo ba ta raça / pai tisunu no kasa”. A música diz: Mulheres de pano preto, mulheres que estão de luto não chorem. A única coisa que vocês podem fazer é rezar de joelhos, pedir a Deus qualquer dos combatentes que foram feridos no mato para que um dia ele esteja curado, e voltasse neste chão da Guiné, porque a Guiné aqui é o nosso chão. Podemos ir por mais longe que formos. Um dia voltaremos porque a cauda de pomba, quer dizer a volta de mundo é como uma cauda de pomba, quer dizer cauda de pomba, onde nasci, é pequenino. Mas onde acaba é largo, quer dizer: nós, os revolucionamos, nascemos pequeno como uma cauda de pomba, mas enquanto estamos a caminhar para a frente, estamos abrindo.”
“Um dia seremos tão grande que voltaremos a dirigir o nosso povo: “pabia li ki nô chon”, aqui que é o nosso chão. Podemos ir mais longe que formos, porque a volta ao mundo é como um rabo de pomba: “volta de mundo i rabu di pumba / ma bo na limpa korson”, vamos limpar as vossas lágrimas com o suor e o sangue do nosso corpo. Significa que é as mulheres de pano preto não chorem. Um dia limparemos as vossas lágrimas com suor e sangue do nosso corpo, mas isso agora é uma vergonha. Continuaram a chorar ainda hoje. Estão a chorar mais que ontem. Por isso eu nunca me senti bem, prefiro estar lá escondido, estar a mostrar aqui um intelectual ou quer que seja uma terra onde há só pilhagens. Não há lei, não há nada, terra de macacos é isso. Por isso é que não estou aqui. Eu também quero viver na luz, quero tudo isso. Mas não são nessas condições que me traz cá.”
“Simplesmente é porque venho aqui cobrar algumas rendas para poder custear certas despesas lá na minha propriedade. Caso contrário vinha porque tenho a família cá mas não será mensalmente. Talvez trimestralmente ou semestralmente que eu viria para cá. Por exemplo, eu diria que eu tenho uma chaga no coração que nem sei se isso poderá sair um dia. Eu ganhei uma fama, uma confiança do meu povo, acreditaram em mim, eu era como um líder, eu e o Zé Carlos. Nem toda a coisa se diz mas quando chegaram ignoraram simplesmente de nós, fizeram de nós como um mosquito dentro de um deserto. Não contaram connosco apesar de tudo que temos feito. Se a guerra não for na Guiné como em Angola, porque vocês nem sabem que a guerrilha mais forte era na Guiné-Bissau. Nós é que acabamos com esse. Nós é que convencemos os Comandos Africanos [tropas coloniais de Portugal] para não fazer a guerra civil. Nós é que o pusemos depositar as armas, para receber os combatentes. Por isso é que não houve guerra civil na Guiné-Bissau.”
“Mas não há nem tempo para dizer isso. Ninguém sabe, ninguém sabe, mas existem testemunhas, isto que estou a dizer agora sobre desarmar os comandos. O Francisco Fadul [hoje politico e empresário, nesta altura reitor duma escola preparatório] sabe porque. Quando levantou o 25 de Abril de 1974 [dia da “Revolução dos Cravos” em Portugal que derrubou o regime ditatorial do “Estado Novo” que marcou o início do fim do colonialismo português] faziam manifestações. Eu tinha dois colaboradores, que é o Francisco Fadul e o Aristides Menezes – já faleceu – que naquela altura era o presidente da FD, Frente Democrática, um partido político que está aqui [desde o início dos anos noventa]. Então esses dois eram os meus assessores. Porque no 25 de Abril de 1974, quando os tugas [Portugueses] iam para Portugal, foi a mim que entregaram Bissau. Bissau foi entregue a Aliu Barri eu. Disseram: “Olha, a partir de hoje, para a frente tu vais tomar conta de Bissau porque nós sabemos que tu és do PAIGC até a chegada da direcção do PAIGC, tudo isso vai ficar na tua conta.” Então fiz apelo aos Guineenses: “Quem quiser colaborar comigo, que venha contactar para combinar-mos trabalharmos juntos!” Então veio o Francisco Fadul, veio o Aristides Menezes, veio muita gente, Armindo Fonseca, veio muita gente. Foram estes que eu colaborei, negociei os prisioneiros, libertei os prisioneiros políticos que são militares e tudo isso. Foi em 1974, no 25 de Abril. Mas depois disso, como eu tinha saído da prisão, apanhei uma hemorragia de estômago. Internei-me aqui no hospital duas semanas. O partido [o PAIGC] levou-me para o Senegal, onde fiz o tratamento, três meses e voltei.”
“Mandjuandade” é uma cultura única que existe em crioulo. Depois da junção do Português e dos dialectos da Guiné, surgiu o crioulo mas ninguém cantava crioulo. Houve um “djidiu”, Malam Camaleão. Malam Camaleão é um artista que surgiu nos anos 1943, 1944, 1945, de 1945 à 1950. Era guineense de raça mandinga. É o primeiro artista da Guiné que cantou crioulo porque crioulo não tem cultura. É um encontro de etnias para se comunicaram. Falaram crioulo, um Português mal falado. Mas a cultura de crioulo ficou só em palavras: falar entre um e outro. Depois de Malam Camaleão cantar crioulo a maioria de artistas e “djidius”. Emitiram-no até hoje. “Djidius” cantam o crioulo, emitindo este homem que é Malam Camaleão. Malam Camaleão foi um dos artistas que ganhou maior sucesso, na sua época. Malam Camaleão revolucionou, como se diz, as músicas tradicionais da Guiné. Considero Malam Camaleão como “Cobiana Jazz”.

“A “mandjuandade” iniciou com Malam Camaleão. Depois de Malam Camaleão passaram muitos artistas até que veio um outro que se chama Baramsam. Depois de Baramsam apareceu o Saco Djana, apareceu Serifó Danso, apareceu Adulai (cantor), Mamadu (cantor), Batcha. Esses todos são cantores que cantaram o creolo depois. Cantam para as mulheres como a “mandjuandade” e nos últimos tempos aí no ano de 1978 surgiu e ganho impacto a “mandjuandade”. Os artistas e os associados da “manjuandade” “Boa Esperança” me convidaram para ser o padrinho do conjunto. O conjunto preparou-se. Organizei-os, foram ao concurso. E a “Boa Esperança” ganhou três vezes consecutivos. Já não tinha tempo mais. O conjunto ainda continua mas os elementos que eu tinha preparado nessa altura, alguns deles estão em Portugal. Até hoje, eles me reconhecem como pessoa de conjunto. Só que eu não tenho tempo de estar com eles. Naquela altura, eles eram os melhores da Guiné, a “Boa Esperança”. Agora, nesta altura, não é como antes. Está fraca. Pronto, a “mandjuandade” “Boa Esperança”, eles são considerados até esta data que são dos melhores.”
“O que é uma “mandjuandade”? Por exemplo: num bairro junta-se toda esta comunidade da juventude para, nos domingos, organizarem festas. Organizarem convívios. Se houver um casamento vão animar o casamento, se houver alguma cerimónia tradicional eles vão lá e cantam, se houver choro alguém morreu, cotizam, tiram o dinheiro, arranjam tudo que é necessário. Vão ficar lá por uma semana a animar a família do defunto. Então isso disse “mandjuandade”: arranjam até trazes quando houver um funeral. Há tipos de roupas que eles devem vestir, se for um casamento. Há tipos de roupas que eles devem vestir, se for o “fanado” [ritual de iniciação cultural, circuncisão]. Há roupas que eles devem vestir, qualquer tipo de manifestação eles vão. Mas entre eles há pessoas que cantam e tocam. É como rancho folclórico. Sei que em qualquer vila, agrupam-se homens e mulheres, fazem festas nos tempos livres. É isso que nós dizemos “mandjuandade”. Cada “mandjuandade” tem um cantante, dois cantantes, tantos rapazes como raparigas para animar as suas manifestações. Tradicionalmente, “mandjuandade” é uma coisa que não para. Existe em todos os bairros da cidade. Nas “tabancas” [aldeias] também organiza-se. Isso é que se chama “madjuandade”. Há pessoas que se destacam nessas “mandjuandades”, ganham muita fama, é isso é que nós dizemos “mandjuandade”. São manifestações culturais que existem em cada etnia. Mas agora, com o aparecimento do crioulo, criou-se uma organização parecido, mas com outras características. Com a evolução as coisas estão mudadas, são transferências de manifestações culturais que existem tradicionalmente, que estão a passar agora para o ambiente de hoje. Porque a “mandjuandade” tem muitas festas.”
“Anteriormente, um jovem quando atinge 20, 21 anos, fez-se festa de dizer “rianta calça”: vestir calça comprida. Porque um jovem até aos 20 anos utilizava só calções. Quando descer a calça até a baixo já tinha outra responsabilidade. Fazia-se esta festa. Quando o indígena passa para civilizado [até 1961 existiam na Guiné Portuguesa segundo a lei “indígenas” - cerca 99% da população da colónia - e “civilizados” com plenos direitos de cidadão] também fazia-se a festa. Quando é fanado fazia-se a festa. Há muitas festas que a “mandjuandade” faz. Mas se for um país progressista, um país que está a andar bem, “mandjundades” teriam possibilidades de apresentar toda a nossa cultura tradicional. Porque os tradicionalistas, os folclores nativos lá têm dificuldade de manifestar aquilo que eles têm. Mas como a “mandjuandade” está composta de várias etnias cada qual faz a apresentação da sua etnia, com isso e apreciando a “mandjuandade” vai conhecendo a manifestação de todas as culturas da Guiné. Eles cantam, canções de todas as etnias, porque a composição da “mandjuandade” tem todas as raças [etnias].”
“Entre os músicos, dificuldade existe muito. Aqui música não dá nada, não dá nada apesar de existir muitos músicos aqui. Nenhum deles tem uma condição mínima. Andam diariamente nas discotecas para ver se vão ter verba, de tocar para ganhar cinco mil Francos CFA [EUR 7,50] numa noite. Não dá para nada, não dá para nada. Essa é a dificuldade. A minha intenção hoje é que se eu tiver possibilidades é de voltar a reunir a todos os artistas, criar condições que eles possam tocar em todos os restaurantes, discotecas num preço mesmo que seja baixo mas que eles tenham sempre um benefício permanente onde possam ganhar pelo menos numa semana dez, quinze mil Francos CFA [EUR 15,00 - 22,50] para poderem ter uma vida decente. Andam a pedir: “Oferece me isto, oferece me isto…” Mas são pessoas que tocam muito bem, mas paciência, nós não tínhamos sonhado isso…”

0 comentários:

Postar um comentário